sábado, 3 de agosto de 2013

A solução para o Santa Cruz é ir na contramão do processo de fascistização.



O futebol tornou-se algo muito caro, proibitivo para os mais humildes, e isso é mal para o esporte. Está acontecendo uma nítida inversão na função social do futebol. Antes o futebol era um esporte nitidamente popular, os estádios enchiam com mais facilidade (apesar das péssimas instalações) e o povão era a cara dos estádios. Os estádios eram multirraciais e, dentro de certos limites, um espaço que unia pobres e ricos ainda que os ricos ficassem nas cadeiras numeradas e os pobres ralando a bunda no concreto da arquibancada. O fato é que o futebol era popular no melhor sentido do termo: ele era de  TODOS, do pobre, do classe média e do rico

Hoje  o futebol afastou-se das pessoas e tornou-se algo caro. Os altos investimento trazidos pela Copa e pelas tentativas de profissionalização das gestões dos clubes encareceram o espetáculo. As altas cotas de TV inflacionaram a receita dos clubes e os salários dos jogadores e todos correram atrás de quem tem muito pra gastar: a elite. E a espiral inflacionária do esporte perdeu o controle de vez.
Hoje uma camisa oficial de um clube de massa, mesmo um da série C como o Santa Cruz, custa em média uns R$ 170,00 (1/4 do salário mínimo), um ingresso mais barato nessas novas arenas não fica por menos de R$40,00. É algo proibitivo, ponto.

 Imaginemos que um indivíduo sem carro quer ir ao estádio com dois filhos no setor mais barato atual (3 ingressos= R$ 120,00), tivesse que pagar passagem de ônibus de ida e volta (gastaria pelo menos uns R$ 18,00, ou mais)e tivesse que comprar refrigerante e cachorro quente pelos preços módicos cobrado no estádio (calculo o gasto em uns R$ 40,00 se o cara for pão-duro). Só aí iriam embora, por baixo, uns R$ 178,00, num único jogo. Até para um membro da classe média-alta esse valor impediria idas freqüentes ao estádio com a família, imaginem então para aqueles com uma renda  de classe C ( que segundo a consultoria Target fica em torno de entre R$ 2.330 a  R$4.500).

As rendas dos jogos hoje são verdadeiros insultos, só o Atlético MG arrecadou 14 milhões de reais em um único jogo da final da Libertadores (só a título de comparação o Santa Cruz teve um orçamento de 14 milhões durante todo o ano de 2012).
Pode-se dizer que a renda dos jogos obedece a lei do mercado, mas isso é balela, a intenção é nitidamente excluir o pobre do estádio. Senão vejamos: qual jogo com pouco apelo midiático, tipo um jogo de meio de semana em campeonato estadual, teve seus ingressos barateados para se adequarem com a demanda e todos pudessem comprar? Você lembra de algum? Eu também não!

O futebol como produto busca a atenção daqueles que tem maior poder aquisitivo. Não importa que os estádios estejam vazios na maioria das vezes, desde que quem compareça compense a ausência do povão. O povão é descartável. Povão não compra camisa oficial por 170 pilas, não pode pagar 40 contos num ingresso duas vezes por semana. Povão não compra o produto anunciado nos patrocínios das camisas. O povão virou indesejável. As consultorias futebolísticas em marketing já pouco se importam com o tamanho das torcidas, mas com o poder financeiro delas.

É um cenário desolador e, danem-se, é fascistóide (não me venham com meias palavras, é fascismo puro).
Logo surgem jornalistas que comemoram a elitização e tentam dizer que o problema não é do futebol e sim da sociedade. Mas se esquecem que entregar o preço dos ingressos para a  simples lei do mercado é, de fato, punir o pobre que é apaixonado por futebol. E o interesse social fica aonde? Só com uma mentalidade preconceituosa e elitista (portanto fascista) é que se defende que futebol seja consumido somente pelos ricos. Hoje o futebol é o cartão de visitas da elite mesquinha que não suporta mais o discurso de inclusão social que até a pouco era dominante, e que está sofrendo uma enorme oposição sendo combatido no campo da política e da imprensa. 

ONDE O SANTA CRUZ FUTEBOL CLUBE ENTRA NESSA?
O Santa é a torcida mais popular do Recife, é o time dos pobres. Isso está impregnado na imagem pública do time. Não é difícil perceber isso na realidade. Nos bairros mais elitizados é possível contar nos dedos quem é torcedor do Santa, a elite recifense me parece tomada por torcedores do Sport e Náutico (apesar de morar na região agreste do estado e visitar o Recife apenas sazonalmente, justamente para ver o Santa jogar, não acredito que esteja errado em minhas impressões). Se o Santa tentar jogar o jogo da elitização do futebol, nunca vai sair de seu lugar.

O poder financeiro está concentrado em alguns poucos clubes do Brasil, especialmente nos fundadores do finado Clube dos 13. Times como Corinthians e Flamengo jamais vão aceitar uma divisão mais igualitária das receitas, outros clube terão que se rebolar para formar times competitivos. Dependerão de um mecenas super rico como a Unimed (Fluminense) ou vão estourar as próprias contas para conseguir grandes títulos (Atlético-MG) ou ainda vão se tornar reféns de empresários do ramo da bola que desfazem os times na intenção de lucrar com a venda jogadores (Palmeiras, Botafogo, Vasco, Bahia, entre outros).
Diante disso o Santa Cruz tem que criar um nicho de mercado que tende a virar quase que exclusivo seu: as classes populares. 

O maior destaque do Santa Cruz na mídia nacional foi justamente pelo fato da equipe lotar estádios. Quando caímos na primeira fase da Série D em 2009 tivemos uma matéria no Jornal Nacional, em 2011 a matéria serepetiu celebrando nosso acesso. Jornais internacionais repercutem matérias sobre nossa torcida. Já tivemos reportagens nos maiores jornais Italianos, Espanhóis e Ingleses (A terra da rainha é a Meca do jornalismo esportivo) sempre tendo como foco principal nosso estádio cheio e a paixão de nossa torcida formada majoritariamente por pobres. 

Num meio onde a elitização deixa os estádios vazios na grande maioria dos jogos, um clube que leva multidões ao estádio é uma pauta fenomenal para os jornais de todo o Brasil. Quem se interessa por uma 4º divisão, ou por uma 3º divisão? Ninguém, a não ser que o Santa Cruz e sua torcida estejam lá (você guarda na memória os campeões da Série D? Duvido!). Com reportagens como essas o nome de nossos patrocinadores é divulgado no Brasil e fora dele, o que torna o clube numa vitrine confiável para a marca e isso atrai mais investimentos.

Um primeiro passo é se livrar do programa “Todos Com a Nota”. Sim!!!. Sei que parece um contrassenso, mas é que o TCN cria uma cortina de fumaça nesse processo de elitização. O negócio então é baixar o preço do ingresso em todos os setores e fazer com que a turma mais humilde possa pagar para ir ao estádio.
O Santa Cruz pode iniciar esse processo com seus próprios sócios. No momento em que escrevo esse texto o Santa Cruz conta com 13.000 sócios em dia (o maior contingente entre os times da série C). Uma boa idéia era colocar pacotes de ingressos para jogos com pouco apelo a preços bem baratos, para equilibrar a demanda. Um exemplo: vender aos sócios um pacote para os 3 jogos da fase inicial da Copa do Nordeste 2014 ao  preço de RS30,00 (média de 10,00 por partida) e para os 5 jogos contra os times do interior no estadual por R$ 35,00 (média de 7,00 por partida). Imaginemos que 10.000 sócios comprassem esse pacote, e que uma parte desses sócios comprassem também para seus dependentes (se não me engano cada sócio do Santa pode comprar até 4 ingressos de uma vez), teríamos algo em torno de 25.000, ou mais, torcedores garantidos nos jogos, e isso sem contar o público não-sócio que compraria por meios tradicionais. Seria uma grande demanda de público para jogos que antes eram sem apelo devido ao preço das entradas. 

Alguns poderão argumentar que isso reduzirá o lucro com as bilheterias, mas isso é balela da grossa já que jogos de fase preliminar e contra times do interior NUNCA  deram lucro a clube algum. Claro que nos clássicos o preço teria uma subida substancial para se adequar com a demanda (um clássico no Recife com ingresso a 10 reais precisaria de um estádio de uns 200.000 lugares para suprir a procura, não estou exagerando)

Lógico que não é só a questão do ingresso que conta. O clube tem que ter uma política vantajosa e eficiente para atrair novos sócios e manter os antigos, tem que melhorar as instalações do estádio e a logística nos dias de jogo. É todo um conjunto de coisas, mas que parte de um processo de popularização para dar certo.

Um exemplo de como a participação popular nos estádios é importante é só pensar no caso do Internacional. Os caras tem 100.000 sócios em dia, o que mantém o clube cheio da grana e formando times competitivos, mas os estádios vazios e isso acaba agregando pouco a imagem do clube. O Corinthians tem metade disso mas lota o estádio até em amistoso, a imagem nunca se desgasta e dá uma maior credibilidade ao clube, hoje ninguém sequer chega próximo do valor da “marca Corinthians”.

O desafio está lançado ao Santa, se quiser continuar dançando a dança do mercado vai perder o bonde, até em Pernambuco o mercado dá sinais de preferir Sport e Náutico devido ao apelo elitista. Mas se quiser desafiar essa lógica e cobrar ingressos a preços acessíveis o Santa pode se beneficiar da repercussão midiática e poderá renegociar patrocínios e cotas de TV ( o impacto nas audiências seria nítido já que o jogo com muita torcida chama a atenção até de quem não torce por nenhum dos times). Isso aumentaria a receita do clube substancialmente, poderíamos formar times competitivos e dominar um nicho de mercado que todos os demais clubes esqueceram.

Só popularizar é claro que não resolve, mas é uma questão estratégica reposicionar a marca Santa Cruz. Isso não significa desprezar a elite que gosta de futebol, com preços baixos ela consumirá ainda mais o espetáculo. O torcedor do Santa tem a marca de não ter preconceito de classe, logo os torcedores corais endinheirados (eles existem e também são um grande mercado) vão se empolgar com a mobilização e consumir ainda mais avidamente a marca do clube e isso será um grande negócio.  

O Santa Cruz Futebol Clube não pode cair nessa armadilha que os clubes estão caindo em ceder 80% do estádio para a elite e apenas 20% ao povão, tem que fazer justamente o contrário.

É desafiando o mercado que conseguiremos entrar soberanamente nesse mesmo mercado.




Post dedicado ao amigo Walter Miro, um jornalista que discute o futebol para além de saber se foi ou não impedimento.

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